A APLICABILIDADE DA AUDITORIA NA ÁREA DA SAÚDE - ENTRE A FRAGMENTAÇÃO E A INTEGRAÇÃO

 

*Maria Aparecida de Oliveira e Cecília Maria Soares Carvalho Oliveira

  

A auditoria em saúde é uma função orientada pela legislação que a regulamenta, por normas técnicas e administrativas, regras de utilização e prestação dos serviços, tabelas de procedimentos e honorários, além de protocolos técnico-científicos que norteiam as boas práticas profissionais. Seus objetivos principais são: evitar excesso de oferta e uso inadequado dos serviços, prevenir ou monitorar a má prática, monitorar a qualidade, equilibrar os padrões e os resultados da prestação da assistência, estabelecer regras para o funcionamento e desempenho de serviços terceirizados e próprios da atenção à saúde.

 

Nas diferentes especialidades da saúde (medicina, odontologia, psicologia, farmácia, fisioterapia, entre outras) a prática de auditagem apresenta dimensões, níveis de aprofundamento, aplicações, extensões e conteúdos bastante diversificados entre si. Isso provoca uma ramificação extensa no campo de conhecimento desse tema. De um núcleo teórico-prático comum e herdado das ciências contábeis, partem divisões ou galhos menores e específicos que vão servir às diferentes especialidades, seja nas áreas exatas, humanas, biológicas ou sociais. Esse é um movimento centrífugo (do centro para fora), de fragmentação do saber, bastante comum à estrutura contemporânea de especialização das práticas, contudo, inevitável.

 

É o refinamento do conhecimento e dos processos de trabalho que levaram a tal especificidade. Sob esse ponto de vista, defende-se nessa análise que é preciso revisitar constantemente o caminho reverso, quando o assunto é a auditoria na saúde. À medida que os conhecimentos científicos de áreas específicas são desenvolvidos, é importante redelinear um centro comum que forneça a sustentação necessária. Esse é um exercício no sentido contrário, centrípeto (de fora para o centro), em busca da legitimidade que sempre se aporta nas origens das coisas. Essas questões incluem a dialética entre o universal e o particular, envolvem simultaneamente problemáticas de campos disciplinares diversos, vindo desafiar a compartimentalização do saber e a profunda perda de referenciais amplos e genéricos quando o caminho é único no sentido da fragmentação e da especialização.

 

Também encontramos diferenças acentuadas na auditoria de saúde teoricamente desenvolvida para a realidade do sistema público e aquela voltada para o sistema suplementar ou privado. A organização, os níveis de competência e as ações desenvolvidas no controle e auditoria guardam uma íntima relação com o modelo de assistência à saúde. Daí as distintas abordagens praticadas na auditoria do Sistema Único de Saúde brasileiro em relação à auditoria praticada pelas operadoras que credenciam serviços de saúde e atuam como sistema suplementar.

 

A estratificação e o fracionamento não param por aí. Ainda no setor saúde observa-se também uma dicotomia entre a auditoria operacional e a gerencial. Diferentemente do que ocorre nas áreas contábil, jurídica, administrativa, tributária, de gestão de pessoas, entre outras, que entendem a operação de auditoria como um procedimento de gestão, na saúde há uma duplicação de sentidos muito nítida ainda, entre o técnico e o administrativo. Embora as correntes teóricas mais recentes busquem visualizar a auditoria em saúde integrada pelos seus elementos de gestão e de acompanhamento técnico indistintamente, sobressai uma visão de cunho mercantilista, na qual a auditoria se presta primordialmente ao acompanhamento dos gastos em saúde.

 

A supervisão das redes de profissionais credenciados, a avaliação das capacidades técnica, física e funcional dos prestadores de serviço, a análise de dados estatísticos e epidemiológicos, o controle epidemiológico, a elaboração e acompanhamento de tabelas de honorários e preços, o monitoramento de indicadores, o controle de demanda dos prestadores de serviço e dos usuários, a análise de instrumentos de credenciamento de serviços terceirizados, a avaliação de programas preventivos e a auditoria do modelo de atenção à saúde, o desenvolvimento dos sistemas de qualidade, a identificação e monitoramento dos ofensores dos custos e o desenvolvimento de parâmetros para o estabelecimento de controles e alarmes internos dos custos por subsistemas de assistência à saúde, são alguns exemplos do braço gerencial da auditoria em saúde, na maioria das vezes desvalorizado em detrimento dos aspectos clínicos e econômicos da auditoria.

Por sua vez, a avaliação de contas médicas e odontológicas, a análise de prontuários, a verificação de documentos pela enfermagem, a liberação de senhas de atendimento, a auditoria em serviços ambulatoriais e em serviços hospitalares de planos de assistência e de seguros de saúde, a auditoria em serviços clínicos e cirúrgicos, a identificação e análise do uso eficiente de equipamentos e materiais odontológicos e médico-hospitalares, os instrumentos de análise e controle da assistência de enfermagem, o controle de infecções hospitalares, a auditoria de cuidados, a classificação e análise do impacto sobre os custos dos sistemas, a inspeção de planos e propostas de tratamento, assim como os exames clínicos e a leitura dos exames complementares dos usuários, são os componentes mais operacionais da auditoria em saúde e vem sendo os mais valorizados.

Na interface da auditoria gerencial e operacional, foi criado mais um produto da especialização do saber, designado de gerenciamento de casos clínicos. O gerenciamento de casos é uma das tecnologias para a microgestão das atividades clínicas na perspectiva dos sistemas integrados de saúde. Consiste na definição de uma equipe de saúde (em algumas organizações pode ser um único profissional) que se responsabiliza pela atenção do paciente durante todo o processo clínico e faz julgamentos sobre a necessidade da atenção e sobre os serviços prescritos e recebidos. Essa equipe tem incumbência de coordenar a atenção à saúde por meio de todos os serviços e instituições que compõem um sistema de saúde, determinar o nível adequado da prestação dos serviços e de verificar o cumprimento do plano de tratamento pelo paciente. Esse é um processo também nominado de advocacia do doente, desempenhado pelo profissional gerente de caso.

 

O gerenciamento de caso, além do propósito de ser mais uma medida de cuidado com a saúde, tem o mérito de unir duas vocações ou tendências que não devem ser tomadas distintamente, pois não deveria haver uma conotação clínica e outra gerencial e sim uma integralidade dessas ações fortalecendo o papel do auditor de saúde. A prática se apresenta diversificada, alguns auditores não ultrapassam o limite clínico, outros não atravessam o contexto gerencial e poucos atuam de forma hibrida e integral.

 

A formação do profissional reproduz essa tendência fragmentária. A começar, pela diversidade dos conteúdos programáticos trabalhados nos diferentes cursos oferecidos na área de auditoria em saúde. A maioria deles, voltados para a medicina e enfermagem com foco na auditoria do sistema suplementar de saúde, provocam deslocamentos dos demais profissionais que, necessitam de formação e capacitação nessa área, mas permanecem à mercê da restrição do mercado.

 

É na formação desse profissional que se depara com a possibilidade de frear a fragmentação e pulverização dessa profissão, estruturando-a e fortalecendo-a. Na formação integral está a oportunidade de preparar os trabalhadores de saúde que atuam na auditoria, inclusive em cursos multidisciplinares. É na reintegração, pesquisa contínua e embasamento aprofundado dos temas da auditoria de saúde, assim como no treinamento das práticas variadas que a compõem, que haverá condições de se formar o profissional habilitado para visualizar as ações de saúde no seu contexto amplo, de constituição de uma sociedade saudável e não restrita à visão da saúde como produto comercial.

 

Do exposto, ressalta-se a necessidade de se afinarem os referenciais conceituais para a auditoria nas diversas ciências em que ela é empregada, visto ser este um termo amplamente utilizado por especialistas de várias áreas, porém marcado por uma compartimentalização e até imprecisão que demanda por uma constante atividade de negociação de sentido entre diferentes atores que transitam nesse campo.

Autoras:

Maria Aparecida de Oliveira

Cecília Maria Soares Carvalho Oliveira

Coordenadoras do curso de especialização à distância em auditoria odontológica da PUC Minas Virtual.

Assuntos relacionados: Auditoria Interna, Auditoria Interna Operacional Auditoria Trabalhista, Auditoria na Terceirização, Relatórios de Auditoria


4ª Oficina Prática de Auditoria Interna - em São Paulo - SP

 

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