CONTEXTUALIZANDO A AUDITORIA EM SAÚDE A PARTIR DE SUAS RAÍZES CONTÁBEIS

 

*Maria Aparecida de Oliveira e Cecília Maria Soares Carvalho Oliveira

  

O estudo mais aprofundado sobre os marcos conceituais e o status adquirido pela auditoria em saúde estrutura-se na análise de elementos ligados à sua origem e de fatores contextuais que condicionaram seu emprego crescente neste campo, após transpor suas raízes inicialmente fixadas no campo econômico-financeiro.

 

 Nesta evolução, busca-se revelar as características e os motivos pelos quais a auditoria tornou-se uma atividade necessária ao bom andamento dos diversos campos a que se aplica, em especial a área da saúde. Nesse percurso houve uma constante remodelação de antigos termos e enfoques, visando a acompanhar a evolução científica, tecnológica e, inclusive, econômica e ideológica.

 

Na realidade, a origem da auditoria, como prática de revisão e ratificação de atividades humanas de natureza profissional, encontra-se bem distante da área das ciências biológicas e médicas, pois relacionou-se com o início das atividades econômicas desenvolvidas pelo homem, pertencentes ao campo das ciências exatas e contábeis, conforme explica Boynton et al. (2002), diante a necessidade de revisar práticas tais como a verificação dos registros de arrecadação de impostos (Egito antigo); e inspeções nas contas de funcionários públicos (Grécia).

 

Portanto, esta natureza primária condicionada pela economia, justifica o fato do cargo de auditor ter sido criado na Inglaterra em 1314, em um contexto histórico-político de seu empoderamento como potência econômica, berço da Revolução Industrial que fomentou o capitalismo. A grandeza econômica e comercial da Inglaterra foi fator determinante da evolução da auditoria, em consequência ao crescimento de empresas, do aumento de sua complexidade e do envolvimento da economia popular nos grandes empreendimentos (CREPALDI, 2004).

 

A Inglaterra mantinha inúmeros interesses comerciais por todo o mundo, por meio de um programa geopolítico de expansão notadamente mercantilista e colonialista, utilizando-se da auditoria como ferramenta de controle da arrecadação de impostos. Essa evolução foi um marco, reconfigurando a função do auditor – que passou da busca de erros e confirmação da exatidão do balanço, para o exame do sistema e testes de evidências, de modo que se pudesse emitir um parecer sobre a fidedignidade de todas as demonstrações financeiras (JUND, 2002). Assim é que, quando a auditoria atinge o campo da saúde, ela já traz uma modelação e corporificação de suas práticas e conceitos.

 

O surgimento das grandes companhias americanas e a rápida expansão do mercado de capitais a partir do início do século XIX também concorreram para a aceleração da organização da profissão do auditor, elevando-o à condição de guardião da transparência das informações contábeis das organizações e sua divulgação para o mercado de capitais (OLIVEIRA e DINIZ FILHO, 2001). Mas, ainda assim, o potencial de sua abrangência, a dimensão do seu leque de atividades e a autonomia profissional não se comparam à amplitude adquirida mais contemporaneamente, uma vez que seus conceitos ainda mantinham-se delimitados às finanças e contabilidade.

 

No Brasil, os reflexos da regulamentação do ensino superior em Economia, Contabilidade e Ciências Atuariais foram decisivos para o campo conceitual da auditoria, a partir de quando foi dinamizada a implementação de técnicas e instrumentos aprimorados e validados no meio acadêmico (RICARDINO e CARVALHO, 2004).  Até 1965, a ausência de um mercado de capitais sólido no Brasil representava uma restrição a o campo de atuação da auditoria, mas a partir daí, a necessidade de trazer recursos ao mercado acionário fez com que o governo brasileiro adotasse uma série de medidas institucionais e legais que impulsionaram sua utilização (ANDREZO e LIMA, 1999).

 

O contexto político-econômico também foi fator de impulso para a demarcação legal da atividade auditora, com a introdução do profissional de Auditoria Independente, em 1965 pela Lei nº 4.728 (FRANCO e MARRA, 2001). Seguindo esse ritmo, efetivamente a auditoria foi oficializada pelo Banco Central do Brasil (BCB), em 1968, que também estabeleceu as normas gerais de auditoria, em 1972. No entanto, para alguns estudiosos, sua consolidação no Brasil, ocorreu principalmente na década de 70, quando também expandiam-se seus conceitos para outras áreas profissionais (NIYAMA, 2006).

 

Segundo confirmam Franco e Marra (2001), na década de 1990 o espectro conceitual e técnico da auditoria havia se desenvolvido amplamente, contando com modalidades voltadas para atender não somente as diversas necessidades informativas dos usuários das demonstrações contábeis, mas a novas finalidades em múltiplas áreas profissionais. Na atualidade, fala-se em auditoria ambiental, gerencial ou gestional, de qualidade, de sistemas, de balanço, informática, fiscal, tributária, trabalhista, entre outras (PORTAL DA AUDITORIA, 2013).

 

E, é praticamente com esse perfil já amadurecido que a auditoria adentra a área de saúde no mundo e no Brasil. Mas, também na área da saúde, a auditoria traçou uma história própria, a começar pela sua inserção na medicina. Primeiramente a auditoria médica foi utilizada para mensurar o desempenho profissional, identificar taxas de mortalidade e morbidade e suas relações com procedimentos operatórios, tempo de internação hospitalar e outros. Posteriormente, a auditoria em saúde foi ampliada como método para melhorar a prática do sistema de saúde, corrigir distorções, sendo concebida como um setor, departamento ou seção dos sistemas de saúde, conforme aconteceu no Sistema Inglês (VERRI, 2010). Assim ocorre a incorporação oficial da auditoria no setor saúde, onde a mesma encontrará um campo científico fértil e um contexto tecnológico e econômico propício a sua evolução autônoma, voltada para as necessidades específicas da área.

 

Exemplo dessa autonomia está no modelo conceitual desenvolvido pela Enfermagem, a partir de 1950. Sparrow e Robinson (1992) referem-se à criação de uma metodologia  para a auditoria de enfermagem, baseada na análise retrospectiva de registros de prontuários, tornando-se assim possível para os enfermeiros avaliar a qualidade da assistência de enfermagem através da análise dos dados obtidos a respeito do cuidado realizado.

 

A auditoria, portanto, evoluiu da tão somente prática contábil, para um novo nicho de mercado, o da saúde, da conferência de contas para o assessoramento da gestão em diversas situações, seja na estratégia ou no planejamento, seja no aprimoramento da qualidade dos serviços prestados como também da relação com seus conveniados e no dimensionamento dos serviços e da rede credenciada (OLIVEIRA, 2009). E ainda, maiores valores vêm sendo agregados à auditoria em saúde, a partir dos conceitos da medicina baseada em evidências e da implantação de sistemas informatizados para auxiliar no controle e permitir a transmissão das informações de modo padronizado e confiável.

 

Autoras:

Maria Aparecida de Oliveira

Cecília Maria Soares Carvalho Oliveira

Coordenadoras do curso de especialização à distância em auditoria odontológica da PUC Minas Virtual.

Bibliografia

ANDREZO, A. F.;  LIMA, I. S. Mercado financeiro – aspectos históricos e conceituais, FIPECAFI/USP. São Paulo: Pioneira, 1999.

BOYNTON, William C.; JOHNSON, Raymond N.; KELL, Walter G. Auditoria: Tradução Autorizada. 7ª ed. (idioma inglês de Modern Auditing). São Paulo: Atlas, 2002.

CREPALDI, Silvio Aparecido. Auditoria Contábil: Teoria e Prática. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

FRANCO, Hilário; MARRA, Ernesto. Auditoria Contábil. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2001.

JUND, Sérgio. Auditoria. Rio de Janeiro: Impetus, 2002. 154p.

NIYAMA, Jorge Katsumi. Contabilidade Internacional. 1 ed., São Paulo: Atlas, 2006.

OLIVEIRA, Valter Luiz. Relato histórico da auditoria e sua aplicação no SUS e nas operadoras de saúde suplementar. Monografia. 34f. especialização em Auditoria e Gestão em Saúde. Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, 2009.

OLIVEIRA, Luís Martins & DINIZ FILHO, André. Curso Básico de Auditoria. São Paulo: Atlas, 2001.

PORTAL DA AUDITORIA. O seu portal de informações. Disponível em: <http://www.portaldeauditoria.com.br/>. Acesso em: fev. 2013.

RICARDINO, Álvaro and CARVALHO, L. Nelson. Breve retrospectiva do desenvolvimento das atividades de auditoria no Brasil. Rev. contab. finanç. v.15, n.35, p. 22-34, 2004.

SPARROW, S.; ROBINSON, J. The use and limitations of Phaneuf’s Nursing Audit. J Adv Nurs. v.17, n.12, p.1479-88. 1992.

VERRI, Carla Maria Pinheiro. Auditoria odontológica – aplicações atuais. 31p. Monografia. Especialização em Gestão de Planos de Saúde. Universidade Anhanguera-Uniderp. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Rio de Janeiro, 2010.

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